Agentes de segurança relatam a angústia de esconder sua real identidade, para não se tornarem alvo de bandidos. “Estamos presos e eles, soltos”, desabafa um policial, sobre o medo que atormenta a tropa
“Me sinto impotente. Fico pensando quem será o próximo a morrer, e se serei eu”, admite um policial militar cearense, que pede para não ser identificado. O número de agentes de segurança do estado baleados e mortos fora do serviço no Ceará tem crescido na mesma proporção que o medo de serem as próximas vítimas.
A sensação fez com que eles tomassem, por conta própria, medidas extremas de proteção. Chegam até a perder a vida social, ao evitar sair de casa e esconder a identidade policial. Tudo para manter a profissão sob sigilo, dilema que vivem os heróis de gibis permanentemente ameaçados por vilões.
“Eu estou, praticamente, antissocial. Não saio de casa para nada. Não ando mais em restaurantes, não saio na rua à pé. Se eu for à esquina, vou de carro e de vidro fechado”, relata o PM, que atua na corporação há cinco anos e omite qualquer tipo de informação sobre a profissão também nas redes sociais.
A situação se agravou após a morte do soldado do Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas (Raio) Augusto Herbert Félix. Ele foi baleado, na última sexta-feira (12), ao ser surpreendido por dois homens em uma motocicleta, enquanto aguardava o semáforo abrir, em um cruzamento de Fortaleza. No crime, o soldado reagiu e chegou a trocar tiros com os assaltantes, mas não resistiu aos ferimentos.
Para o policial, a ficção se tornou vida real. “Eu via muitos filmes falando da despedida como se fosse a última vez. Hoje, eu sinto isso na pele. Toda vez que saio de casa, é como se fosse a última vez. A despedida é maior, porque não sei se vou voltar”, desabafa o PM, casado há três anos.
Além de optar por não sair para locais públicos, como restaurantes, barzinhos e festas, o agente faz o trajeto ao trabalho já com o colete à prova de balas. “No caminho, pode acontecer alguma coisa. Muitos amigos que vão de moto ou de ônibus não usam a farda”.
Ele acrescenta que anda armado todos os dias, a qualquer hora. “Se eu estiver desarmado, me sinto mais impotente ainda. É uma chance de defesa. Quando eu durmo, a arma fica ao lado. Vou para a academia armado, para a casa dos meus familiares e até para o culto, porque basta o bandido achar que sou policial, até pelo meu corte de cabelo, para me matar”, relata.
“Toda vez que saio de casa, é como se fosse a última vez. A despedida é maior, porque não sei se vou voltar” (Policial militar)
Policial civil
A postura do policial é a mesma de um inspetor da Polícia Civil, que também pediu para não ter a identidade revelada. Em entrevista ao Tribuna do Ceará, informou que utiliza duas carteiras: uma comum e a outra com o distintivo da polícia. A segunda fica “muito bem escondida”, como ele próprio conta.
Segundo o inspetor, não há como identificar uma possível ameaça. Todos são suspeitos, em qualquer lugar, a qualquer hora. “Evito me identificar em locais públicos, bancos, supermercados. Evito andar em festas porque, muitas vezes, a gente acaba se deparando com um bandido que a gente prendeu. Eles sempre estão em camarotes, nos melhores lugares. Pode ter certeza, nesses locais têm todo tipo de gente: traficante, assaltante, sequestrador. E todos conhecem os policiais, sabem quem é”, ensina.
Em restaurantes, o inspetor – que está na PC há 10 anos – procura uma mesa afastada da entrada e opta por sentar em um local que possibilite a visão de quem acessa o estabelecimento. É como ficar em estado de alerta 24 horas por dia. “A gente (policiais) está preso, e eles (bandidos) estão soltos”, declara.
Nos dois primeiros meses do ano já foram quatro mortes de policiais. Três deles estavam de folga. Em 2015, foram registrados 14 assassinatos. Diante do número de crimes no Ceará, as famílias dos agentes de segurança são as primeiras a implorar para que desistam da profissão. “É chato, porque nossa esposa e nossa mãe pedem para a gente não ‘dar aquele gás’ todo. Pedem que a gente evite aparecer, se esconda, mas as pessoas não entendem que quem está na polícia está porque gosta do que faz”.
Bombeiro militar
A sensação de impotência atinge todos os níveis dos profissionais de segurança pública. Reginauro Sousa é bombeiro militar há 21 anos e presidente da Associação dos Profissionais da Segurança há cinco. Ele não se sente seguro e responsabiliza o medo ao atraso da polícia em detrimento ao avanço do crime organizado no Ceará.
“A polícia não está à altura do crime. Não porque o policial esteja se omitindo de trabalhar. O problema é que não percebemos uma ação governamental no sentido de agir preventivamente, só estamos agindo no efeito”, declara.
As medidas tomadas pelo bombeiro são as mesmas utilizadas pelos demais agentes. Na própria vizinhança, se pudesse, se resguardaria. Como mora na mesma residência há 17 anos e atua como representante de classes, todos sabem a sua identidade.
“No Rio de Janeiro, os policiais fazem de tudo para omitir essas informações, e estamos indo nesse mesmo caminho. A maioria de nós mora na periferia, onde há maior incidência de crimes. Então, muitos preferem se abster de informar a identidade verdadeira”.
Desconfiado por natureza, o bombeiro sempre que está parado em um cruzamento, por exemplo, não ouve música e fica atento aos retrovisores. “Em alerta o tempo todo. Acabo criando uma rotina um tanto quanto estressante, porque tenho que estar preparado para ocorrência a qualquer momento. No ponto de vista psicológico, não é muito bom”.
O diferencial de Reginauro é andar desarmado quando está de folga. Segundo disse, estar armado oferece duas possibilidades: reagir e ser bem-sucedido ou ser vítima da sua própria arma. “É uma questão muito discutida no meio militar. Para mim, eu não estando armado, não vou reagir e tenho a possibilidade de ser apenas mais um cidadão assaltado”, reflete. “Estamos enxugando gelo”.
Medo é resposta à violência
Para o sociólogo César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC), a onda de assassinato de policiais decorre da violência difusa, que pode atingir qualquer pessoa. “Atinge também profissionais de segurança. Isso é preocupante, porque são pessoas pagas para fazer a nossa segurança”.
FONTE: http://m.tribunadoceara.com.br/
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